A importância do vínculo mãe e bebê.
- Gabriela Carletto
- 19 de mar. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 26 de ago.
por Gabriela Carletto

“A mãe suficientemente boa é aquela que, aos poucos, desilude o bebê.” – Donald Winnicott
Quando pensamos em desenvolvimento humano, é comum que nos voltemos para o bebê, para suas competências cognitivas, seus marcos motores, seus estágios evolutivos. Mas raramente olhamos para o espaço relacional que o constitui. Afinal, ninguém se constitui sozinho. Um bebê só pode ser bebê se houver alguém que o reconheça como tal.
Na clínica e na pesquisa, cada vez mais me convenço de que o vínculo entre mãe e bebê, ou entre cuidador primário e bebê, não é apenas uma condição afetiva: é uma condição de existência. Antes da linguagem, antes do pensamento, antes da identidade, há o toque, o ritmo, o olhar, a presença. Há o corpo do outro, que segura, sustenta, nomeia, traduz, acalma. E é nesse espaço entre dois corpos que o psiquismo começa a nascer.
Um espaço transicional de sustentação
A teoria de Winnicott nos oferece aqui uma das chaves mais sensíveis e complexas da psicologia do desenvolvimento: o conceito de "holding" — a sustentação física e emocional da mãe como base para que o bebê se sinta no mundo, sem desintegração. O vínculo, então, não é apenas uma conexão afetiva. É uma estrutura invisível que permite à criança existir, sentir-se real, integrar corpo e psique.
Essa sustentação envolve uma afinação fina com as necessidades do bebê: saber quando alimentar, quando acalmar, quando permitir frustração. A mãe suficientemente boa, e não perfeita, é aquela que se adapta ao seu bebê, mas que também o introduz no mundo compartilhado com o tempo, com leveza.
O bebê, ao longo desse processo, não apenas aprende a confiar no outro. Ele aprende a confiar em si mesmo. E essa confiança é o solo da saúde psíquica.
Vínculo, trauma e neurodivergência
Quando o vínculo falha, seja por ausência, negligência, depressão materna, ausência paterna, violência, desorganização ambiental ou outras formas de trauma relacional, o que se rompe não é apenas a confiança no outro. O que se rompe é o próprio eixo que sustenta o sentimento de continuidade do ser.
Muitas crianças autistas, por exemplo, vivem experiências sensoriais intensas desde os primeiros meses de vida. Isso, somado à falta de reconhecimento ou ao excesso de intervenções abruptas, pode gerar vínculos que, em vez de proteger, agravam a sensação de invasão ou de isolamento.
Isso não significa que mães de crianças autistas sejam menos amorosas. Ao contrário: muitas são profundamente implicadas. Mas o mundo em volta, com seus julgamentos, expectativas normativas e falta de suporte, pode minar a qualidade dessa relação, criando culpa, ansiedade, retração. Por isso, a escuta do vínculo precisa considerar também a neurodiversidade como um campo de linguagem relacional. Nem todo bebê busca contato visual. Nem toda criança responde da forma esperada. Mas isso não é ausência de vínculo, é um convite para escutar de outra forma.
O vínculo também adoece, e também pode ser curado
Na clínica com mulheres autistas, muitas delas também mães, escuto histórias de puerpérios solitários, de culpas precoces, de amor atravessado pela exaustão sensorial. Mães que amam profundamente, mas não suportam o toque constante. Mães que se anulam tentando ser como as outras, mas que colapsam silenciosamente.
Essas mulheres também precisam de holding. A clínica, nesse sentido, precisa se tornar um espaço transicional. Um lugar onde o vínculo pode ser revisto, reconstruído, redesenhado, não como uma volta ao passado, mas como possibilidade de cuidar do agora com mais verdade e mais gentileza.
O vínculo é linguagem, corpo e história
O vínculo entre mãe e bebê não é apenas um dado biológico. É uma dança, um tecido, uma narrativa construída no corpo, no tempo, no espaço afetivo. E, como toda narrativa, pode ser ferida, mas também pode ser ressignificada.
Ao acompanhar mães e bebês, mães e filhas, mulheres e suas histórias interrompidas, sigo acreditando: o vínculo cura. Mas ele só se sustenta se for cuidado. E se for reconhecido como aquilo que de mais essencial há no humano: a possibilidade de ser com o outro.
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