Tempo de Ser
Psicanálise e Yoga, - conhecimentos que se unem, se interligam e que também perpassam por outras ciências para ajudar a cada Ser, em busca a lidar melhor com a sua história.
Urge o tempo de desaceleração, - desaceleração completa deste sujeito contemporâneo que enganado pelas urgências que a vida insiste em apresentar, inventou, criou, transformou o tempo em um pequeno objeto que habita nossa palma da mão.
“Meu inconsciente me leva, com a maior tranquilidade do mundo, a dissabores que não penso atribuir-lhe em nenhum grau, pelo menos até me ocupar dele através dos meios refinados da psicanálise” (Lacan, 1966/1998)..
Tempo de Repensar
Vivemos um tempo em que o pensar e o sentir são diagnosticados de forma patológica, e isso vem se tornando um problema para humanidade. A sociedade está criando robôs humanos, completamente medicados para romper com qualquer processo de dor. A indústria farmacêutica financiadora de grandes pesquisas científicas, afasta cada vez mais o sujeito da sua essência, encapsulando sonhos, mantendo o estado entorpecido na mente.
Somos geridos por um sistema, aonde o mercado que dita as regras precisa de pessoas altamente produtivas, com um enorme grau de qualificação para poder competir e se inserir em um mundo totalmente globalizado. Aprendemos a ler, escrever e falar diversos idiomas, mas somos incapazes de fazer uma leitura interna e procurar descobrir com que tipo de sensação muitas vezes estamos lidando. A identificação do sujeito com o ego, o afasta da sua essência vital. Aprendemos que precisamos ser alguém na vida, ter uma profissão, ganhar dinheiro e fazer sucesso. Essa é a fórmula perfeita de um sujeito realizado o mundo.
A capacidade verdadeira de amar e pensar sobre a vida, sofrer com uma perda e poder viver o luto, sentir a dor de uma separação ou simplesmente se encantar com o voo de um pássaro, se tornaram coisas de uma outra época, aonde ainda nos era culturalmente permitido viver e sentir a nossa humanidade. Em tempos de alta tecnologia aonde um simples click nos conecta com pessoas do outro lado do mundo, relações se iniciam e muitas vezes perduram através da tela de um computador. Fomos com o tempo nos afastando cada vez mais dos nossos órgãos dos sentidos, ficando distantes física e emocionalmente das pessoas que amamos, e de nós mesmos. Nossos órgãos dos sentidos são afetados por um excesso de informações sonoras e auditivas, adoecendo cada vez mais a mente humana. Desta forma, vamos nos transformando em seres pouco perceptivos para vida, com dificuldades sociais e emocionais, com distúrbios criados a partir da falta de sensibilidade e de estrutura psíquica para que possamos nos manter psicologicamente sãos.
Olhar nos olhos, sentir o toque da mão, ouvir com o coração o que o outro quer dizer, se tornou quase que uma emergência médica para os dias atuais. Nos tornamos sujeitos vazios, com medos, fobias e traumas, intoxicados por uma alimentação altamente industrializada, por aparelhos eletrônicos, medicamentos psiquiátricos, por uma vida afastada da natureza, do silêncio.
A partir deste ponto o sujeito, ou o que pode se chamar dele, segue caminhando por vielas aonde tudo passa a ser como uma nuvem fina, cobrindo os sentidos do corpo e da alma, privando-o de qualquer sentimento de angustia, raiva ou até mesmo prazer.
O sujeito contemporâneo, desenvolveu sentimentos de medo, pânico e fobias, vive em crises existências e tem dificuldade em se relacionar. A falta de comunhão com a própria essência, com a comunidade, a ausência cada vez maior dos pais, mergulhados em um mercado de trabalho que exige horas e horas de uma dedicação cruel, levam o homem a privação de sentimentos básicos como o amor, a frustação, e a amizade. Nesse caminhar que vive a humanidade, a difícil tarefa de tentar nomear o que sentimos, acabou por identificar cada sentimento como se fosse um tipo diferente de doença.
Toda a ânsia de conquistar o mundo, dominar a tecnologia, nominar o inominável, comprar o impensável, fez deste sujeito afastado da sua natureza, um ignorante da sua própria essência. Quando enganosamente acreditamos que possuir significa preencher, embarcamos em uma viajem sem escalas, direto ao vazio e inalcançável da alma humana.
Hoje, uma possível cura para dezenas de sintomas que este corpo pós-moderno insiste em apresentar, seja simplesmente sentar e chorar. Chorar em silencio, sem plateia, sem compartilhamento, chorar e ouvir a própria voz interior, conversar com a criança que grita, esperneia em busca de colo. Sentir verdadeiramente a dor de uma perda, lidar com a frustação, com a passagem do tempo. Se olhar de frente no espelho e reconhecer o ser que ali reflete.
Encarar a vida de peito aberto, respirar a ansiedade e caminhar com ela. Toda a banalização do uso de medicamentos tornou quase impossível decifrar o sujeito normal do patológico. Hoje o sujeito esta dopado. Dopado para vida, sem sentir, sem saber que rumo tomar. São muitas as direções, são infinitas as possibilidades, e isso poderia até ser bom, caso este mesmo sujeito estivesse equipado psiquicamente para encarar as escolhas e aguentar com as perdas inerentes do caminho.
Urge de fato o tempo. O tempo de ser. Tempo do ouvir e do falar. Tempo de dormir e acordar. Tempo de sentir e entender o funcionamento da mente e do corpo. Urge o tempo de poder silenciar, meditar, elevar a consciência ao Todo.
É nessa perspectiva que pensar sobre a psicopatologização nos faz refletir que o homem enquanto ser que deseja, sempre estará com algum tipo de sofrimento e inquietude na alma, e que esta inquietude é que o faz caminhar, desejar, se questionar.
O termo psicopatologia traduz um discurso, um saber, sobre as paixões, a passividade (pathos) da mente, da alma (psiquê). Sendo assim, é preciso sempre haver uma conversa franca entre a psiquiatria, psicanalise e o sujeito, para que o mesmo esteja ciente que o medicamento estará tratando, nada além do próprio mal-estar subjetivo que lhe afeta a alma.
Este desamparo psíquico que atravessa a história da humanidade desde os primeiros tempos até hoje, vem se transformando em diferentes meios de dependência envolvendo toda uma sociedade, independente de tempo e espaço, de cultura ou religião. Estamos aqui falando de um vazio existencial, que sempre existiu e que levou o homem a procurar substitui-lo de diferentes maneiras ao longo dos séculos, ao invés de simplesmente olhar para dentro de si, e perceber a felicidade que cada um de nós já é, fomos ensinados a olhar para fora e tentar desesperadamente achar a solução para o mal que nos aflige.
Neste ensejo é que a Psicanálise, e a Filosofia do Yoga, vem de encontro. O Yoga propõem a busca por uma existência plena, partindo da auto-observação, do conhecimento e controle dos fluxos de pensamentos, do conhecimento da fisiologia do corpo, da percepção e controle das emoções, para a partir desse saber genuíno, encontrar o caminho para a quietude interior.
Pensando a partir deste ponto, estamos fincando raízes num dos princípios básicos da sobrevivência humana, - falar, ouvir, perceber, pensar, refletir, sentir, se emocionar, reviver histórias e sonhos para poder caminhar a vida dotado de tudo que nos pertence. Seria então o Yoga e a Psicanálise um dos canais para mantermos a nossa humanidade viva? Pergunto ainda, qual a nossa participação, como professores, psicanalistas, nesse processo que pode estar conduzindo a uma patologização da existência. Com que sentido devemos dar ouvido a fala do outro, sendo esse outro tão dopado dos seus próprios sentidos. “Na clínica atual das psicopatologias contemporâneas a transferência se apresenta como mola mestra do tratamento”. (Fontes, 2017)
Se temos então a Psiquiatria que por meio da escuta e da observação médica procura amenizar os sintomas do sujeito, temos a Psicologia do Yoga e a Psicanálise que irão ouvir este mesmo sujeito e procurar junto com ele caminhos para a reestruturação do campo físico, mental, emocional e espiritual. Juntar o aspecto clinico, psíquico e psicodinâmico para entender a história pregressa da pessoa, muitas coisas vão ser reveladas somente com o tempo. É na fala, muitas vezes não elaborada que irão surgir as reais questões do paciente. Ao se pensar na clínica atual, precisamos pensar também nos diferentes diagnósticos que surgiram nos últimos tempos, alguns destes se encontram com termos e entendimentos da Psicanálise, outros ainda estão em constante pesquisa dentro da construção clinica.
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