🌿 Equidade e Neurodiversidade: o direito de ser diferente
- Gabriela Carletto
- 21 de out.
- 3 min de leitura

“Não se trata de normalizar as diferenças, mas de tornar a diferença o ponto de partida para compreender o humano.”— Boaventura de Sousa Santos
Falar de neurodiversidade é falar de humanidade.
O termo, criado nos anos 1990 por ativistas autistas como Judy Singer, surgiu para romper com a visão médica e patologizante das mentes divergentes. Mas, mais do que um conceito, a neurodiversidade é uma mudança de paradigma: ela nos convida a reconhecer que não existe uma forma única, correta ou saudável de pensar, sentir e estar no mundo.
Durante séculos, a educação se organizou sob a lógica da padronização, tempos iguais, respostas certas, comportamentos esperados. Essa estrutura, herdeira da modernidade e do projeto colonial, reduziu o aprender a uma norma: quem escapa dela é considerado desajustado.
No entanto, como afirma Merleau-Ponty (1945), o ser humano é um corpo que sente e se expressa no mundo; cada gesto, olhar ou silêncio revela uma maneira própria de habitar a realidade. A neurodiversidade, nesse sentido, é o reconhecimento radical da pluralidade das percepções e experiências corporais.
🌱 Quando a equidade encontra a neurodiversidade
A equidade, no contexto da neurodiversidade, não se limita à adaptação curricular ou à criação de espaços sensoriais. Ela nasce de um reposicionamento ético: enxergar o aluno neurodivergente como sujeito de saber e não como objeto de intervenção.
Anne Donnellan e Martha Leary (1995) propõem o princípio da presunção de competência: acreditar que toda pessoa, independentemente de sua forma de comunicação, possui um mundo interno complexo, repleto de intenções e significados.Essa crença é a base de uma pedagogia equitativa, uma pedagogia que confia.
Quando um professor acredita que o aluno tem algo a dizer, ele muda a forma de escutar. Quando a escola reconhece o valor da diversidade neurológica, ela deixa de “integrar” e passa a coexistir. Quando a comunidade se abre para aprender com a diferença, a neurodiversidade se transforma em potência coletiva.
💫 Da normalização à reciprocidade
A ideia de normalidade, como nos lembra Michel Foucault (1975), foi construída historicamente para disciplinar corpos e pensamentos. A neurodiversidade desafia esse regime: ela desmonta a hierarquia que separa os “aptos” dos “inaptos”, os “capazes” dos “incapazes”, os “produtivos” dos “lentos”. No lugar da normalização, propõe a reciprocidade, o reconhecimento de que todos somos, em alguma medida, singulares e interdependentes.
A educação equitativa é, portanto, uma educação da reciprocidade:
que acolhe o ritmo do corpo autista, sem forçá-lo à pressa do tempo social;
que respeita o silêncio de quem pensa antes de falar;
que entende o movimento como linguagem e o olhar como fala.
Esses pequenos gestos são formas de justiça cotidiana. São eles que transformam a escola em um espaço de existência legítima, onde o aprender é também um modo de ser reconhecido.
🌍 Neurodiversidade como epistemologia
A neurodiversidade não é apenas um tema da inclusão, mas uma epistemologia — uma nova forma de produzir conhecimento sobre o humano. Ao reconhecer que existem múltiplos modos de perceber, pensar e sentir, abrimos espaço para outras lógicas, outras sensibilidades, outras linguagens. É o que Boaventura de Sousa Santos chama de “ecologia dos saberes”: aprender com a diferença, e não sobre ela.
Na Aldeia Atípica, essa epistemologia se manifesta na prática:
Na escuta fenomenológica que busca compreender, e não corrigir;
Na formação continuada que parte da experiência e não do manual;
Na construção coletiva de sentidos, onde famílias, professores e estudantes são corresponsáveis pela travessia da inclusão.
🌸 O direito de ser diferente
Defender a neurodiversidade é defender o direito de existir sem precisar se disfarçar. É afirmar que o mundo se torna mais rico quando há espaço para as formas diversas de atenção, emoção e pensamento. Como diria Bell Hooks (1994), educar é um ato de amor — e amar é permitir que o outro seja quem é.
A equidade, quando encontra a neurodiversidade, torna-se mais do que política pública: torna-se poética do encontro.
Uma ética do cuidado, uma prática de liberdade e um compromisso com o florescimento de todas as formas de vida.
🌿Instituto Eu no Mundo
Programa Aldeia Atípica – Inclusão e Singularidade





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