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Equidade e Educação: quando o acesso não basta



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“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.”

Paulo Freire


Falar de equidade em educação é falar da própria condição humana do aprender. Nenhum ser humano aprende a partir do vazio: aprendemos no corpo, na história, no afeto e na relação. A educação, portanto, não é uma técnica, mas uma experiência encarnada de encontro com o outro, e é nesse encontro que a equidade se revela ou se nega.


A escola moderna nasceu com o ideal da igualdade: oferecer a todos os mesmos conteúdos, as mesmas oportunidades, a mesma forma de aprender. Mas como nos lembra Paulo Freire (1996), ensinar não é transferir conhecimento, e sim criar as condições para que o outro possa se tornar sujeito da própria história. Quando oferecemos o mesmo a todos, sem escutar as diferenças, o que chamamos de igualdade pode se transformar em uma nova forma de exclusão.


A equidade educacional nasce do reconhecimento de que a diferença é constitutiva da vida. Como afirma Boaventura de Sousa Santos (2002), a justiça social passa, necessariamente, pela justiça cognitiva — isto é, pelo direito de cada pessoa a aprender e ensinar a partir do seu modo singular de habitar o mundo. Uma escola equitativa não busca homogeneizar, mas pluralizar; não se preocupa apenas em “incluir”, mas em transformar as próprias estruturas que produzem exclusão.


Na Aldeia Atípica, inspirada na Pedagogia da Singularidade, equidade significa olhar cada estudante como uma forma de mundo. Essa é uma perspectiva fenomenológica, como nos ensina Merleau-Ponty (1945), o corpo não é um objeto entre objetos, mas o centro de significação da experiência. Uma criança autista, uma jovem com deficiência, um adolescente negro ou indígena, cada um percebe e se relaciona com o real de modo próprio, e é a partir desse modo que o processo educativo deve se construir.


“O seu modo de ser tem lugar aqui.”


A equidade, portanto, não é um recurso externo (como uma rampa, uma adaptação ou uma política), mas uma postura ética e perceptiva: exige do educador o exercício da escuta fenomenológica, aquela que se abre ao que o outro mostra de si, sem pressa de interpretar. É o que Anne Donnellan e Martha Leary (1995) chamam de “presunção de competência”, acreditar que todo sujeito tem algo a comunicar, mesmo quando os modos de expressão escapam às normas da linguagem hegemônica.


Quando uma escola escolhe praticar a equidade, ela se torna um espaço de presença compartilhada, onde os corpos diversos deixam de ser corpos-problema e passam a ser corpos-saberes. Essa é também a visão de bell hooks (1994) ao propor uma educação como prática da liberdade: ensinar é um ato de amor e coragem, um movimento de libertação coletiva que rompe com as hierarquias do saber.

Por isso, a equidade se faz, antes de tudo, nas relações cotidianas: no modo como o professor se dirige a uma criança; no tempo concedido para que um pensamento amadureça; no respeito às diferentes formas de silêncio e expressão. Como lembra Martha Nussbaum (2011), uma sociedade justa é aquela que oferece a cada pessoa as condições reais para florescer, e isso implica olhar para as capacidades singulares de cada ser, não para suas limitações.

A equidade educacional, então, é mais do que um ideal: é uma prática de cuidado, liberdade e corresponsabilidade. Cuidado, porque reconhece a vulnerabilidade como parte da existência humana. Liberdade, porque oferece espaço para que cada um construa sua própria forma de pensar e sentir. Corresponsabilidade, porque compreende que o aprender é um ato coletivo, sustentado pelo tripé família, escola e comunidade.

Equidade é o gesto ético de olhar para uma criança e dizer: “o seu modo de ser tem lugar aqui”. É permitir que cada corpo, cada sensibilidade e cada voz componham o tecido vivo da educação. E, como afirma Paulo Freire, é somente quando o educador se reconhece também como aprendiz, vulnerável, em processo, em relação, que a escola se torna, enfim, uma aldeia onde todos podem florescer.


Instituto Eu no Mundo

Programa Aldeia Atípica – Inclusão e Singularidade

 
 
 

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